Gosto de observar anônimos que cruzam meu caminho. Prestar atenção um instante nessas pessoas que que estão ali, vivendo alguma coisa de suas histórias enquanto estamos paralelamente vivendo alguma coisa da nossa história.
A menina francesa em uma praia da Normandia. Quando uma criança explora com naturalidade um espaço, ela cria e conta sua história, se a gente presta atenção, dá pra ler. Para o imaginário dela, aquele pedaço de praia era um universo inteiro. Ela correu animada em direção ao mar. Quase escorregou, mas não ligou. Parecia ter tanta coisa naquela cena, menos medo. A praia cresceu pra mim.
O menino alemão sentado num barco no Estreito de Magalhães, bastante ansioso para ver pinguins pela primeira vez. Eu acho que a mãe dele estava mais emocionada por ver ele ali vivendo aquilo do que por ela própria estar ali. Talvez ela já tenha visto pinguins antes. Ou talvez só esteja sendo mãe.

Duas pessoas sentadas em frente a casa de Pablo Neruda, em Santiago. Uma delas parecia distraída. Já a outra parecia estar apenas ali mesmo, sentindo alguma coisa enquanto olhava a casa do poeta. A poesia deve ser uma aliada dele nessa vida. Nunca vou saber seu nome, mas a concentração do olhar dele deixou minha experiência ali mais delicada, era bonito ver.

O senhor sentado no banco de uma praça em Santiago, no final do dia, fazendo alguma anotação. Parecia cansado. Ele carregava uma sacola, mas eu não podia ver o que tinha dentro dela, se era pesado – isso eu só posso imaginar.
Me faz bem observar anônimos, me lembra que tem muita coisa acontecendo nesse palco-tempo-espaço além das minhas próprias coisas. Ficar o tempo todo só percebendo a si mesmo não é muito bom. Curioso, mas sair um pouco da minha narrativa particular e observar/imaginar a narrativa desses anômimos me convocou a estar mais presente, no meu “aqui e agora”, e talvez as minhas próprias experiências depois – na praia, no barco, na casa do poeta e na praça – tenham ficado mais sensíveis e então criado marcas mais bonitas e duradouras em mim.
Observar, com alguma sensibilidade, o que acontece ao redor faz a gente parar, perceber melhor o tempo, o espaço, as coisas, e registrar com mais qualidade o que se vive.
Às vezes gosto de ficar mais concentrado na minha vivência particular, pra cuidar da intimidade comigo mesmo. Mas também acho especial “sair do meu” e perceber/imaginar as histórias ao meu redor. Tudo bem que vejo tudo mais como eu sou do que como tudo é, mas a tentativa de olhar pra fora já significa muito.
Às vezes eu queria agradecer alguns anônimos que cruzei. Uma vez agradeci um músico de rua em Helsinque por tocar, e ele me agradeceu por escutar – senti uma coisa muito bonita. Acho que nós dois tinhamos uma gratidão natural genuína pela delicadeza que um estava oferecendo ao outro.
Obrigado, anônimos que deixaram marcas. Acho que escrevi isso hoje para agradecer. A gente tá por aí no mundo coletando e entregando energia uns aos outros e nem sabe disso. Será que sou algum tipo de anônimo que deixou alguma marca na vida de alguém? Espero que sim.