
Foi de um dia que eu tive tempo. Acordei sem nada na minha frente e deu para escutar a vontade do meu estômago e coração. Escolhi que ia cozinhar esse desejo. Levantei. Fui tomar um banho e por ter tempo olhei pela janela do banheiro – eu moro no 19°, sempre tem um prédio, uma casa ou árvore ao longo da Lapa/Vila Madalena/Vila Romana pra ver que eu ainda não tinha visto. O que existe que eu ainda não vejo?
Fui no sacolão comprar as coisas para a receita. Apertei limões para sentir quais estavam com a casca mais fina, buscando o sinal da alma suculenta deles. Nem sempre dá tempo de notar que comprar alimentos nos aproxima da natureza das coisas, mas hoje deu. Olhei de perto um senhor que entrou e foi direto nas bananas. Ele olhou um tempo para todos os tipos de banana, pegou várias com uma certa delicadeza, até que, como se um sinal apitasse, escolheu um cacho e foi embora. Ele me pareceu ter uma boa relação com a natureza das bananas. Acho que eu queria ter batido um papo furado com aquele senhor, sobre bananas.
Do sacolão fui na minha padaria favorita. Adoro ir em padarias, desde menino. Na minha infância, algumas coisas que me davam paz começavam com uma ida na padaria. Talvez nessa manhã de 2023 eu na verdade tenha pego pela mão o menino que fui/sou e levado ele na padaria para escolher algo numa vitrine bonita – engraçado como às vezes, olhando uma vitrine com pães e folhados, dá pra gente lembrar quem a gente é – mas só quando temos tempo.
Em casa com todos meus ingredientes cozinhei meu café da manhã, cheio de lentidão e Gal Costa nos meus ouvidos (porque um pouco do meu nome é Gal). O café me alimentou, de muitas formas, por todo um dia (ou por toda uma vida?), só senti fome no jantar – que foi aquilo que passei a tarde fazendo. Teve uma hora que o perfume da panela estava na casa inteira – me deu uma felicidade perceber qual era o cheiro de todo aquele dia. Fiz Maiale al Latte da @raizacostaofficial , também fiz risoni, uma salada, bruschetta e crumble de maçã. Jantei realmente em paz. Fiz um dia com tempo que caminhou e não correu. É bem difícil esquecer um dia que tivemos tempo de perceber as coisas, sentir os cheiros, jantar em paz.



