
Pasticciotto. Depois que um doce entra na gente junto com a história de um dia bom, é dificil explicar ele sem considerar a história que ele agora guarda.
Antes de comer o pasticciotto da foto eu tinha ido nadar no Mar Tirreno, com pessoas que eu amo profundamente e que vejo bem menos do que eu gostaria de ver. Foi uma tarde linda sob o sol de Roma, o dia mais quente que já vivi na Europa. A praia de Capocotta tem algo bonito de selvagem, sincero e natural. Nadar na reserva natural sem roupa alguma foi pra usar mais da liberdade que estava disponível, e também foi bem legal. Eu ri muito nesse dia com pessoas que me fazem rir há mais de 12 anos.

E na volta da praia, na estação de trem Roma Termini, havia a loja da Martinucci, onde estava o pasticciotto que comemos, e que guardou no gosto dele a memória de um dia inteiro (às vezes de uma vida inteira que a gente vive em um só dia, de tanto afeto que tem).
Uma massa linda amanteigada, levemente crocante mas ainda gentilmente fofa, recheada tradicionalmente com um tipo de creme de confeiteiro aveludado, ou com outras coisas alegres, como limão, cerejas amarena ou ricota com pistache – qualquer um desses recheios foram uma orquestra perfeita na minha boca, fizeram o olho brilhar. Acho que brilhou de novo agora enquanto escrevo isso, mesmo sem pasticciotto na boca – e é disso que se trata esse texto: aquilo que permanece na gente depois que passa a experiência original.
Quando eu era criança eu queria muito conseguir estar em 2 lugares ao mesmo tempo. Não dava, mas para evitar alguma dor eu precisava fingir que dava, e brincar na cozinha era uma chance de estar no afeto de outras horas e lugares – porque as receitas e o gosto delas são guardiões de memórias, lembretes, continuidades.
Seguiu sempre impossível estar em 2 lugares ao mesmo tempo, mas depois de menino eu aprendi que não tem problema nenhum, porque quando a gente aprende algumas coisas, enxerga que todos os lugares que a gente esteve, todas as pessoas que encontramos, permanecem dentro da gente o tempo todo, são parte de tudo que agora é e que agora somos – e o gosto de um doce trazendo um sentimento tão vivo, por exemplo, é só um lembrete disso.


